Jornalismo musical pra quê?
Edição #6 com os lançamentos de março na canção latino-americana e comentários avulsos
Buenas, 6ª edição caindo na sua caixa com algumas perguntas.
Por que enviar mensalmente uma newsletter de recomendações, se o algoritmo do Spotify faz isso de forma automática? Talvez vocês que assinam possam responder melhor do que eu. Contudo, pesquisei, refleti e escrevi sobre a questão neste mês.
Não deixei de comentar discos, singles e clipes, como de costume. Independentemente das razões, foi pra isso que estabelecemos este canal aqui. Inclusive acionei-o de forma extraordinária, dias atrás, pra resenhar o novo disco de Frank Jorge (leia aqui).
Já nesta edição regular, tem um EP que beira a perfeição, da chilena Elizabeth Morris, além daquela playlist caprichada com os melhores lançamentos de março.
Vamo arriba!
Uma capa Rolling Stone já significou prestígio e resultado na venda de discos. Hoje, o fato de um artista estampar a revista de jornalismo musical mais famosa do mundo provavelmente não encha tanto seu bolso quanto antes. Mas o impacto deste acontecimento, que circula nas redes digitais de forma ampla, muitas vezes viral, parece manter a relevância da publicação.
A prestigiada da vez foi a chilena radicada no México, Mon Laferte. Posou para um ensaio fotográfico exclusivo e concedeu uma longa entrevista ao jornalista Ricardo Durán, da Rolling Stone En Español. Falou sobre o processo criativo do disco Autopoiética, sobre maternidade, sobre ser feminista, sobre fazer 40 anos, sobre romper com as tendências de mercado e outros assuntos que nos permitem conhecê-la melhor como pessoa pensante e sensível. Permitem ainda destacarmos uma dessas falas inspiradoras para tuitar junto à capa da revista (com sorte, ainda podemos ser retuitados por ela mesma - o que aconteceu comigo!).
“La música es para hacer catarsis, para escucharla, para divertirte, para ver un concierto, para gritar, para dedicarla, para sacar tu yo más profundo, ese que no compartes con nadie" (Mon Laferte, em entrevista à revista Rolling Stone, março de 2024).
Outro lugar dentro do jornalismo que permanece proporcionando visibilidade para os músicos é a cobertura de grandes festivais internacionais, como o Lollapalooza, que ocorreu no final do mês em São Paulo (sem atração latino-americana alguma, vale pontuar). No entanto, seja em formato digital ou tradicional, este tipo de produção jornalística (que inclui transmissão de shows, notícias e críticas) parece assentar-se na busca de cliques. Abusa das manchetes sensacionalistas, fofocas e avaliações lacradoras.
Enquanto isso, o site Pitchfork, referência mundial na música alternativa, acaba de ser desmantelado. Em um artigo, o jornalista argentino Martín E. Graziano lamentou esse fim, criticou o domínio das plataformas de streaming e aproveitou para fazer uma autocrítica do jornalismo musical, sem papas na língua. Pontuou por exemplo que, para um álbum como El amor después del amor se tornar um clássico, foi escrita muita crítica ao longo de sua trajetória, alimentando sua escuta.
"El algoritmo tiene como objetivo convertirte en un target. No abre puertas: las cierra. Bueno, un buen periodista hace exactamente lo contrario" (Martín E. Graziano, El último crítico de rock).
Também motivado pelo fim do Pitchfork, o jornalista Sebastián Narváez Núñez escreveu uma reportagem no portal colombiano Coolt, perguntando a alguns colegas: Periodismo musical, ¿para qué sirve? Responderam ao questionamento nomes como Albina Cabrera, da rádio KEXP, que acredita que: "siempre va a haber nuevas generaciones de periodistas que se vuelquen a escribir la historia de nuestras sociedades y de nuestras culturas a través de la música".
Os artigos comentados acima têm mais uma coisa em comum. Todos citam a newsletter de Ted Gioia, que aprofunda a questão e recomenda: "The smartest thing music writers could do in the year 2024 is stop trusting the system.”
Mas nem tudo declina. Neste mesmo contexto também surgiram alternativas. Há sites especializados muito bons, como o brasileiro Monkeybuzz, que se fez a mesma pergunta que nós e buscou jornalistas para apontar caminhos possíveis em meio às mudanças tecnológicas. Na matéria assinada por Maurício Amendola Assis, lembramos que o jornalismo musical "é o responsável por elevar as conversas sobre música ao status de informação e de assunto público [...] analisando impactos culturais e políticos".
Assim, podemos cultivar uma percepção compartilhada de que o jornalismo musical serve para atender a dinâmicas de conversação, valorização e, principalmente, curadoria. As redes e plataformas digitais facilitam certos aspectos, principalmente quando oferecem canais diretos com os artistas. Contudo, a mediação especializada é primordial para a sustentação das cenas e para a diversificação da escuta.
Valeu a incursão reflexiva sobre o que estamos fazendo aqui? Então, seguimos com nossas recomendações!
Elizabeth Morris já é um nome consagrado na canção chilena contemporânea. Natural de Valparaíso, venceu duas vezes o festival de Viña Del Mar, o maior e mais longínquo encontro da canção na América Latina.
Neste EP impecável, Los ojos del corazón, a cantautora multi-instrumentista mostra em cinco faixas por que obtém reconhecimento. Na dose certa, sem sobras. Só as mais bem gravadas canções, lançadas paulatinamente em forma de singles desde 2021.
Como el aguacero merece um comentário à parte. Canção daquelas que conjuga perfeitamente letra e melodia, com arranjo de dinâmicas bem executadas, apoiado em metais e percussões.
Para além da qualidade de produção, Elizabeth Morris desenvolve a fundo, no plano estético, aquela mistura de melancolia e esperança, que há tempos move a canção latino-americana.
Os melhores clipes do mês vieram do México. Destaque para a produção audiovisual de Natalia Lafourcade, que é de uma canção lançada em 2022 no premiado álbum De todas las flores. Um trabalho que ainda ressoa, por sua consistência.
Agora a canção María la curandera ganhou um clipe, com a participação de um corpo de baile formado exclusivamente para a filmagem. As bailarinas são todas de Vera Cruz, criaram a coreografia em conjunto e acabaram desempenhando uma performance ritual impressionante.
O outro é Prieta, single quentíssimo de El David Aguilar, lançado já com um clipe dirigido pelos irmãos Neuderts. Essa canção vai compor o próximo álbum do cantautor, que promete muito, pelas amostras que viemos ouvindo, desde Tuyo.
Mais que uma canção, esse single representa o momento mais direto de autoafirmação da tonalidade de sua pele e de sua ancestralidade indígena. O recado mais antirracista da carreira de El David Aguilar.
O clipe é provocador e divertido. Mescla a estética vintage que está na moda com a estética vintage mexicana histórica, que foi discriminada como brega durante muito tempo.
Dá para captar nele uma referência a Formation, de Beyoncé, quando ela assumiu com todas as letras que é prieta. No clipe da diva pop, ela canta sentada em cima de um carro de polícia no meio de uma Nova Orleans alagada. Já em Prieta, David canta sentado em um ônibus em meio a uma Cidade do México condensada.
Prográmate
Lima | 6 de abril | Festival Selvámonos | +info
Buenos Aires | 6 de abril | Milongas Extremas | +info
Porto Alegre | 11 de abril | Devendra Banhart | +info
São Paulo | 21 de maio | El David Aguilar | +info
Buenos Aires | 24 de maio | Hugo Fattoruso & Fernando Cabrera | +info
Descubre lo que importa:
[Infobae] El feminismo según María Elena Walsh
[Centro Gabo] Gabriel García Márquez, el bolerista
[Rolling Stone] Autopoiética, la catarsis de Mon Laferte
[Cancioneros] Elizabeth Morris lanza «Los ojos del corazón»
[La Diaria] Bob Dylan y su arborescente filosofía de la canción moderna
A playlist de março começa suave, vai num crescendo comedido, sem sobressaltos, até canções arrebatadoras, como as já comentadas acima: Prieta, de El David Aguilar 🇲🇽 e Como el aguacero, de Elizabeth Morris 🇨🇱.
No meio, o single do próximo disco de Alejandro y Maria Laura 🇵🇪, além de Alex Ferreira 🇩🇴, Masilva 🇨🇴 e Frank Jorge 🇧🇷, de quem resenhamos o novo álbum em uma edição especial desta newsletter.
Também contém parcerias notáveis, como a de Edu Aguiar 🇧🇷 e Florencia Ruiz 🇦🇷, e a de Carla Calasanz 🇪🇨 e Vivi Pozzebón 🇦🇷, na canção Agüita de vieja, vencedora do concurso Ibermúsicas de criação.
Agora, prestem atenção nas cantautoras que marcam presença com canções potentes, como La Muchacha 🇨🇴, Leika Mochan 🇲🇽 e Laura Guevara 🇻🇪.
A lista encerra com a sensacional Menos Mierda, de Miss Bolivia 🇦🇷, com participação de Perotá Chingó 🇦🇷. É uma das faixas do disco Bestia, que está entre os melhores álbuns lançados neste mês, no gênero música urbana.
Confiram essa e todas as listas no meu perfil no Spotify.
Que se vengan las canciones
Já adentrando abril, o cancionista gaúcho Rafa Costa tá lançando um novo single, Água Pura, enquanto Clarissa Ferreira vem com o aguardado álbum conceitual LaVaca, com participações de Ana Prada, Loma e Vitor Ramil.
Do Equador, Luz Pinos promete uma nova canção. E do Uruguai, Mariana Lucía marcou pro próximo dia 6 um adelanto do seu próximo disco.
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Gracias pela leitura! Aguardo mensagens de vocês pra seguir nesta conversa.
¡Hasta pronto!