Canções do mês no continente
Recomendações do que de mais instigante foi lançado em novembro, incluindo Cecília Tres, Alex Ferreira e Mon Laferte
Buenas, eu sou o João Vicente Ribas, jornalista de Porto Alegre (RS Brasil) que agora escreve recomendações mensais pra vocês. Chego aqui depois de muito acompanhar a carreira de cancionistas latino-americanos, seja rodando suas canções em rádio ou escrevendo resenhas dos discos e shows no meu blog.
Desde novembro deste ano, venho reunindo as novidades nesta newsletter, que envio por e-mail, com dicas, comentários e uma playlist atualizada.
Sem mais delongas, vamos aos fatos relevantes do mês que passou. A principal foi o Grammy Latino, que consagrou outra vez a mexicana Natalia Lafourcade, com o prêmio máximo de melhor gravação, por De Todas Las Flores. Outras mulheres acompanharam-na na conquista dos principais troféus, como Karol G (álbum do ano), Shakira (canção do ano), Xênia França (álbum pop em português) e Gaby Amarantos (álbum raízes em português).
Nesta senda das cantautoras, vale também destacar revelações que começam a aparecer na cena. Já ouviram a gaúcha Cecília Tres? Fiz uma entrevista com ela para o Brasil de Fato, após a indicação do colega jornalista José Henrique Sodré. Saiba mais logo abaixo.
Entre os lançamentos, destaque para o EP tropical intimista de Alex Ferreira, e para o disco mais comentado e escutado nas plataformas em novembro, Autopoiética, de Mon Laferte. Comento-o faixa a faixa a seguir.
Entonces, hablemos y escuchemos!
Cecília Tres estreou causando impacto. Natural de Passo Fundo (RS), também atua como médica de família e comunidade. Lançou um primeiro disco recheado de canções consistentes e performances intensas. Tudo muito bem apresentado com a produção competente e sensível de Guilherme Ceron, que gravou a artista no estúdio Pedra Redonda em Porto Alegre.
Junto do álbum veio um videoclipe, mostrando uma das faixas em espanhol que permeiam todo álbum, ao lado de outras em português e inglês.
Confiram a entrevista no portal Brasil de Fato, em que a cancionista fala da criação do trabalho e da expectativa em participar do festival La Serena no Uruguai.
Alex Ferreira é da ensolarada República Dominicana, onde cria canções delicadas e sagazes. Certa ambivalência permeia sua performance, entre ritmos tropicais e tons melancólicos. Desde o disco de estreia, em 2010, passando pelo excelente Tanda, de 2021, até o EP que lançou no último mês, Tabú. Recomendo aqui escutar também o ótimo single De Verdad, que foi pras plataformas no início deste ano.
Já o novo trabalho traz algumas das melhores composições de sua lavra, em arranjos mais intimistas que os de costume. A canção Ícaro tensiona com a esperança e o risco do mito grego que a intitula. Seu arranjo, baseado em uma confortável cama de sopros, contrasta com os versos: "Siento explosiones/ Entre choques de electricidad/ El suelo se mueve/ Piden aviones permiso para aterrizar".
Um daqueles típicos cancionistas contemporâneos, que insistem na busca da perfeita combinação entre letra e melodia. Alex Ferreira tem muito a nos dizer. Ouçam aqui Tabú.
Mon Laferte dispensaria apresentações a quem anda com o radar ligado na música latino-americana. Contudo, a reinvenção da artista em um álbum diferente do que vinha fazendo pede que relembremos sua trajetória. A chilena de Viña Del Mar vive no México há 15 anos. Começou enfatizando a sonoridade rock dramática que é sua marca registrada, mas experimentou outras tendências, passando pelo revival do bolero, a cumbia de protesto e a canção típica de autor. Chegou ao nono disco.
Neste novo e radical Autopoiética, presta tributo a um dos maiores intelectuais chilenos, Humberto Maturana, nomeando seu álbum com um conceito formulado pelo biólogo para designar a capacidade dos seres vivos de produzirem a si próprios. Já seria um título interessante por si só. Mas para fazer jus à concepção, Mon Laferte criou canções que extrapolam sua biografia.
Para além da estética eclética, a tônica explícita de suas letras contribui para que seja uma audição por vezes de difícil digestão. No primeiro single que veio à tona, causou furor revisitando a histórica capital asteca, na batida comedida do trip hop e no canto falado e até rezado. Para se ter uma ideia, a canção Tenochtitlán abre o disco com os versos: "Cuánto le costó quien se la cogió/ Si es una puta sudaca tercermundista/ Nadie le parió/ De donde apareció/ La mina se cree artista". E no clipe gótico vintage que acompanha, Mon Laferte é crucificada.
Tudo isso para seguir expressando sua visão única do mundo e da América Latina. Abusa de sintetizadores e transmuta até sua voz, que soa masculina na faixa Te juro que volveré. Um dos destaques é Préndele fuego, uma bossa eletrônica com uma flauta sublimemente agressiva, com uma letra sensual e explícita.
A seguir, na batida de NO+SAD, seu recado sarcástico ao mainstream: "No es la misma de antes/ La vamos a enterrar”. O tema da transformação segue na cumbia pegada de Metamorfosis. E acelera mais na tecno Autopoiética.
Ritmos tipicamente latinos cadenciam as faixas seguintes, como o bolero e a salsa, passando uma impressão mais palatável. Contudo, segue profanando, a julgar pelos títulos das canções Levítico 20:9, Pornocracia e Amantes Suicidas.
Vale encarar o estranhamento inicial com tanta experimentação. Mon Laferte incomoda nossos ouvidos indolentes para atiçar nossa esperança na criatividade humana.
Que se vengan las canciones
Agora em dezembro, sonoridades calientes devem permear a cena de canção latino-americana. Já saíram singles de nomes como Kevin Johansen, Sofía Viola, Ricardo Pita e Camila Pérez. E o argentino Pablo Grinjot está lançando um novo álbum, chamado Rock. Mas este será assunto para a próxima newsletter.
Prográmate
Buenos Aires | 16 a 30 de dezembro | Festival de Música En El Tasso | +info
Punta Ballena | 29 de dezembro | Hugo Fattorusso | +info
La Paloma | 6, 7 e 8 janeiro | La Serena Festival de La Canción | +info
Porto Alegre | 25 de janeiro | António Zambujo e Yamandu Costa | +info
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Tá aí a playlist da segunda edição da newsletter. Todas ficam disponíveis no meu perfil no Spotify. Sigam lá!
Neste mês, além das recomendações comentadas acima, incluo sonidos de Canciones Cruzadas (URU/BRA), Karol Barboza (COS), Luz Pinos (EQU), Caloncho (MEX), Daymé Arocena (CUB), No Te Va Gustar (URU), Jaison Neutra (COL), entre outres. Sempre começando a lista despacito, pra ir acelerando o ritmo depois.
Gracias pela leitura! Respondam este e-mail pra eu saber o que acharam desta newsletter. E se gostaram, fiquem à vontade pra compartilhar nas redes.
Boas audições! Hasta!